O futuro é assustador. Pelo menos, isso é o que imaginam os
autores de livros distópicos. Filão literário do memento entre adolescentes,
esse caldeirão de violência, controle social e romance, que se tornou sucesso
pelas mãos de Suzanne Collins, com a sua série ‘Jogos vorazes’, segue rendendo
Best-sellers. Está chegando ao Brasil ‘A missão’, segundo volume da trilogia
‘Mundo em caos’, cujos direitos cinematográficos foram comprados pela
Lionsgate, mesmo estúdio do blockbuster estrelado por Jennifer Lawrence. O
filme será roteirizado por Charlie Kaufman, aclamado por ‘Quero ser John
Malkovich’ (1999) e ‘Brilho eterno de uma mente sem lembranças’ (2004).
Escritor de ‘Mundo em caos’, Patrick Ness não apenas vende
muito (quase um milhão de livros da série já foram comercializados) como também
coleciona elogios da crítica. Em 2011, ele faturou a Carnegie Medal, principal
prêmio da literatura infanto-juvenil no Reio Unido.
Ao mesmo tempo, o escritor foi alvo de críticos que condenam
o ingrediente da violência nos seus livros. A história de ‘Mundo em caos’ se
passa no futuro, em um planeta parecido com o nosso, mas onde homens e
cachorros ouvem os pensamentos uns dos outros, e apenas as mulheres são
‘silenciosas’. Em meio a esse ‘ruído’, vive Todd Hewitt, último garoto da
cidade de Prentissburgo, que está a um mês de completar 13 anos. No entanto, as
verdades sobre tudo o que ele conhece desmoronam após Todd encontrar uma menina
pela primeira vez. A partir daí, os dois começam uma frenética e sangrenta
caçada.
- O mundo já é muito ruidoso. Estamos o tempo todo na
internet, trocando mensagens de texto no celular, no Facebook. Especialmente se
você for um adolescente. Eles ficam falando uns com os outros e de si mesmos.
Então, pensei como seria um planeta em que fosse obrigatório contar para todo
mundo tudo o que você pensa – explica Ness, em entrevista ao Globo por
telefone, de Londres.
O segundo livro da trilogia começa com o casal preso e
inclui momentos de torturas psicológicas e físicas. Seguindo a linha de ‘Jogos
vorazes’, a violência está presente, mas não é gratuita. Dilemas morais,
sexismo e decepção política também são elementos da saga. São temas duros até
mesmo para adultos, e que, levados para o ambiente jovem, geram críticas comuns
a diversos autores adeptos da distopia.
Além de não gostar de rotular seu trabalho como distópico,
Ness nega que seus livros sejam sombrios demais. Para o autor, que já deu aulas
na Universidade de Oxford e julgou concursos literários para adolescentes, quem
o acusa disso deveria ler os textos escritos pelos próprios jovens.
- Essas pessoas deveriam ler o que os adolescentes escrevem,
as histórias deles sobre eles próprios. É muito, mas muito mais sombrio do que
qualquer coisa que eu poderia escrever – afirma Ness. – Quando escrevo para
adolescentes, preciso falar a verdade sobre o lado sombrio da vida, sobre o que
é difícil e duro. Se eu digo a verdade sobre coisas ruins, fica também mais
verdadeiro quando escrevo sobre amor e esperança.
Esse clima pesado caiu no gosto dos jovens. No Brasil, 2012
está sendo o ano da distopia. Com vendas alavancadas pelo filme ‘Jogos
vorazes’, os três livros da série homônima estão nas listas dos mais vendidos
no país. Pelo mundo, já são mais de 36 milhões de cópias comercializadas. A
saga descreve um mundo cheio de miséria no qual adolescentes são obrigados a
lutar por sua sobrevivência num programa de TV.
Várias editoras vão publicar títulos na linha da distopia. A
Intrínseca, que já lançou ‘Delírio’, de Lauren Oliver, tem na manga ainda
‘Caminhos de sangue’, de Moira Young. Já a Rocco virá com ‘Todas as coisas que
já fiz’, de Gabrielle Zevin, e a Bertand Brasil, com ‘Wunderkind’, de D’Andrea
G.L.
Muita gente vê a ascensão do gênero ligada à crise econômica
nos países desenvolvidos, que gera forte desemprego e falta de perspectiva
entre os jovens. Mas, na opinião de Ness, o sucesso da distopia vem da
identificação entre personagens e leitores.
- Distopia é a história de uma sociedade que está entrando
em colapso. O protagonista não conhece as regras desse mundo e precisa
descobrir na marra. Ao mesmo tempo, ele ganha várias responsabilidades de um
adulto, mas sem ter nenhum benefício, nenhuma das coisas boas de ser um adulto.
Se você pensar dessa maneira, é assim que os adolescentes se sentem – argumenta.
O escritor não esconde a empolgação com a adaptação dos
livros para o cinema.
- Mal posso esperar para ver o filme pronto – diz Ness.
Texto publicado em O Globo de 21.05.12.
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